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Adultos e adolescentes. Precisamos de mais contraditório.

Atualizado: 24 de ago. de 2021


Talvez já tenha tido estas duas experiências.


Uma, em que está a falar e a certa altura dá conta que está a ir atrás das palavras. Perdeu-se! E como é adulto, instruído, lê com regularidade e já ouviu outros a falar sobre este assunto que agora lhe coube a si, lá se desenrasca. Vai dizendo coisas. Lembra-se de uma citação, de uma referência, de um estudo, de algo que disse noutras ocasiões, e lá se desenrasca.

Os outros podem até nem notar, mas no fundo sabe. Perdeu-se. Não sabe o que dizer!


Outra, em que fala como se as ideias lhe viessem das entranhas. Como se aquilo que está a dizer fosse também para si uma revelação. São as ideias que precedem as palavras e elas vêm alinhadas em fila, obedientes. Sente-se um farol que ilumina as pessoas que o ouvem ao perceber os seus ténues sorrisos e a aceitação que deles emana.


Eu já tive estas duas experiências.


Ao falar com crianças e adolescentes observo também ambos os fenómenos.

No primeiro, percebo-os perdidos. Como se aquilo que sentem e pensam estivesse ora enrodilhado ora oco. É a primeira vez que têm que falar disto e é a primeira vez que têm que desenrodilhar ou de preencher os interstícios do seu mundo interior. E soa muitas vezes a falso, a estereotipado e superficial. Simplificam e usam as vozes dos adultos que os rodeiam e repetem, mimetizam.

- “Sei lá!”

- “Tenho que estudar para ter futuro!

- “Porque é importante!”


No segundo, percebo nitidez. Observo-os como se não tivessem pele. As palavras aparecem e vejo a transformação que operam. Aquilo que era a duas dimensões ganha profundidade e ganha vida. Deve ser isso que acontece com uma impressora 3D. De repente temos um objeto na mão, ou neste caso uma identidade.

- “Eu sentia que estava dentro de uma bolha a gritar e que ninguém me ouvia”

- “Quando disseram que íamos outra vez para casa comecei logo a sentir saudades daquele momento”.


Quando somos adultos, a nossa audiência tende a ser polida e reage a ambas as situações quase de igual forma. Na primeira não mostra que está perdida e na segunda não revela grande entusiasmo. (A não ser os quase imperceptíveis sorrisos)


Quando somos crianças e adolescentes, precisamos de audiências menos polidas. Precisamos de adultos que nos questionem.

- Como assim?

- Ora explica lá isso melhor?

- Como chegaste a essa ideia?

- O que vais fazer com isso?

- Que respostas poderias dar a essa pergunta?

- Se fosse outra pessoa que outra resposta poderia dar?


Crianças e adolescentes precisam de mais contraditório. Mas um contraditório sem autoridade, com empatia e esperança. Precisam de adultos que os ajudem a reforçar a tessitura da sua identidade.

Precisam de adultos que observem sem escrutínio, que ouçam sem julgamento, que apoiem sem condescendência.

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