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Grilo Falante

Atualizado: 14 de jun. de 2019

Às vezes ainda ouço aquela voz aqui na parte de trás da minha cabeça. É como um grilo falante … sempre a deitar-me abaixo.”




O Manel tem 21 anos, um aluno brilhante no secundário que entrou facilmente num curso superior tão apetecível, quanto difícil. Nos primeiros 2 anos, aparentemente sem explicação, as suas notas caíram a pique. Esta experiência do fracasso – na única área em que era brilhante – trouxe o colapso da sua estrutura emocional. Ou, mais simplesmente, o Manel deprimiu.


Mas a depressão não é bem uma doença, pois não? É … uma cena… “sei que não estou bem, mas isto há-de passar com certeza; “tenho é que me concentrar nos estudos”; “a minha vida até é tão boa! Não tenho problemas”; “Os meus pais apoiam-me em tudo”.


É extensa a lista de argumentos que ouvimos para desvalorizar a depressão. A melhor que ouvi até hoje? – “Não tenho tempo para deprimir!”

Acerca disto, ando a ler um livro (já de 2005) de Peter Kramer “Against Depression” que distingue com dados da investigação e com um discurso invejavelmente claro, o que a depressão é de facto, daquilo que é para nós. Ou seja, entre o que as descobertas da ciência nos ensinaram e as crenças da vox pop. (Voltarei a este assunto um destes dias).


Mas falava eu do Manel e do seu Grilo Falante. Esse personagem do Pinóquio que representa a sua consciência e que foi escolhido pela Fada Madrinha para ajudar o rapaz de madeira a distinguir o bem do mal. Essa consciência é, nas palavras do próprio grilo, aquela vozinha sempre presente e que muitas vezes as pessoas ignoram.


Só que o Manel não a ignora! E essa voz não lhe diz apenas o que está certo e errado. Essa voz diz-lhe muitas vezes que ELE está errado, que fez mal, que não serve para nada, que não vai correr bem, que não vale a pena, que ele merece estar sozinho!


Curiosamente (ou não!) a investigação associa esta voz negativa, introsiva, e muitas vezes destruidora, a outro animal que não um grilo e chama-lhe ruminação. Um pensamento negativo, autorreferenciado e que se instala contaminando a vida emocional, social, e relacional dessa pessoa. Uma voz que se aproveita das suas fragilidades e que a debilita ainda mais, destruindo até a essencial capacidade de resolver problemas, mesmo os mais pequeninos.


O Manel às tantas perguntava: “Como é que se faz para calar esta voz”?

Talvez não tenhamos que a calar! E se começarmos antes uma conversa? E se respondermos com outra perspetiva?

E se deixarmos de olhar para o Grilo Falante como aquela voz que nos diz o que está certo ou errado, e que cai demasiadas vezes na tentação de nos dizer que estamos errados?


E se passássemos a tê-lo como um companheiro de viagem, de conversa? Alguém que, já que está sempre por ali, nos pode fazer companhia?

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