Jesus não tinha ainda nascido e a febre era já entendida como sendo uma manifestação demoníaca, induzida por maus espíritos. As civilizações mais antigas recorriam por isso a exorcismos para libertar o organismo dessa possessão.
Hipócrates trouxe outra visão que anunciava os benefícios de uma terapia pela febre. Aumentar a temperatura do corpo permitiria “cozinhar” o humor doente.
Na Idade Média a punição divina foi acrescentada como uma das explicações para a febre. E depois da Peste Negra ter matado (estima-se) mais de 25 milhões de pessoas no continente europeu, passou a ser temida de morte.
No século XIX a febre continuava a ser considerada uma doença por si só, mas também como sintoma de uma doença mais complexa. E só quase no final desse século os trabalhos do fisiologista Claude Bernhard viram revelar a ideia de homeostasia. A subida da temperatura corporal acima de 5° ou 6° poderia ser mortal para um organismo. A febre era agora algo prejudicial para o organismo e por isso passou a ser combatida com diferentes substâncias antipiréticas que se tornaram vulgares no século XX.
Hoje ouvimos diferentes vozes que se dividem entre os benefícios e os malefícios da febre. Faz mal por causar desconforto e desidratação e convulsões e até morte. E faz bem porque é um mecanismo de autorregulação que “ensina” o organismo a preparar defesas e a limpar microrganismos indesejados.
A febre é um sinal. É uma indicação de alteração das condições do meio interior que empurram a homeostasia ao seu limite. A maior parte das situações de febre serão benignas, mantendo-se num limite suportável pelo organismo. O próprio organismo será capaz de mobilizar os recursos para se autorregular.
Quando usamos antipiréticos para tratar uma febre leve (abaixo dos 39°/40°),um estado febril, portanto, aliviamos o desconforto. Mas estamos também a impedir o nosso corpo de construir e percorrer a melhor rota para essa regulação.
A forma como lidamos com as emoções negativas, sobretudo a tristeza e a raiva (e as suas derivações) faz-me lembrar esta história da febre. Também houve explicações demoníacas e implicações negativas para o caráter e as relações. E também durante, sobretudo, as últimas seis décadas foram tratadas com diversas substâncias “antipiréticas” – remédios ou outras drogas, jogo, compras, ou outras distrações.
As emoções são sinais. Indicações de alterações na nossa relação connosco ou com o ambiente em volta. A maior parte são benignas mantendo-se num limite suportável pelo organismo. O próprio organismo será capaz de mobilizar os recursos para se autorregular.
Ao usarmos “substâncias antipiréticas”, o que ganhamos em “conforto” perdemos em sabedoria e consciência.
Não aprendemos a lidar com essas emoções. Não lhes conhecemos os caminhos que percorrem porque as deixamos sozinhas e as perdemos de vista.
Há uns tempos um adulto bem formado e treinado em medicina, dizia-me pesaroso e confuso “eu sempre varri isto para debaixo do tapete” e quando eu lhe perguntava “isto, o quê?” ele, ainda mais confuso, respondia “estas coisas! nem sei bem!”
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